Característico da Vida de Maria
A vida oculta de Maria apresenta um característico que a distingue da vida de Jesus. Nela não se observa esta humildade que assombra e confunde, esse misto de poder e fraqueza, de grandeza e de obediência que se admira na vida de seu Filho. A vida de Maria é sempre igual, sempre simples e oculta; é o reinado da modéstia humilde e suave, modéstia que forma o distintivo de sua piedade, de suas virtudes e de todos os seus atos.
1º. — Maria é modesta em seu exterior. — Não se faz notar pela severidade do porte nem por uma negligência afetada. Humilde e mansa como Jesus, tudo quanto é de seu uso traz o sinal de sua posição medíocre e a confunde com as de sua condição. Assim devemos nós ostentar as insígnias da mediocridade: nem muito, nem pouco, se queremos imitar a vida de nossa Divina Mãe.
2º. — Modesta nas relações com o mundo. — Maria sacrifica generosamente o seu retiro, a suavidade da contemplação, e vencendo grande distância vai visitar sua prima Isabel, a fim de felicitá-la e serví-la. Torna-se, durante três meses, sua companheira, sua humilde serva, e faz a felicidade desse lar privilegiado. Somente quando a glória de seu Filho exigir, Maria aparecerá em público. Há de assistir as bodas de Caná, porém sem dizer uma só palavra que possa reverter em seu próprio louvor, não se prevalecendo de seu título de Mãe do Messias, nem do poder e da glória de seu Filho para se elevar aos olhos dos homens. Sua modéstia faz com que pratique a caridade, e saiba deter-se, de acordo com as ocasiões.
3º. — Modesta no cumprimento de seus deveres. — Maria os desempenha com suavidade, sem precipitação, sempre contente com o que lhe acontece e disposta a abraçar um novo dever. Desempenha todos com essa igualdade de humor que não deixa transparecer as contrariedades e não procura consolação, que não atrai os olhares de pessoa alguma porque tudo faz com naturalidade e de um modo comum. Belo modelo para quem deseja viver da vida de Jesus Eucarístico e com mais razão, para um adorador consagrado ao seu serviço, cuja vida se compõe de pequeninos atos, de pequenos sacrifícios que somente Deus deve conhecer e recompensar, e cuja glória e conforto consistem na filial dedicação, na humildade dos seus deveres, ambicionando unicamente agradar a seu Mestre pela contínua imolação de si mesmo.
4º. — Modesta em sua piedade. — Maria, elevada ao mais alto grau de oração que uma criatura possa atingir, vivendo no constante exercício do perfeito amor, exaltada acima de todos os anjos, e constituindo, por sua dignidade de Mãe de Deus, uma ordem à parte entre as maravilhas divinas, serve ao Senhor, apesar dessas prerrogativas, na forma comum da piedade; sujeita-se às prescrições da lei, assiste às festas legais, reza entre os demais fiéis; em nada se faz notar, nem sequer por sua modéstia, que sabe esconder habilmente; nenhum indício exterior denota a perfeição de sua piedade, nem mesmo um fervor extraordinário!
Tal deve ser a nossa piedade: comum em suas práticas, simples em seus meios, modesta no agir, evitando com cuidado a singularidade, fruto sutil do amor próprio, fugindo mesmo de tudo quanto é extraordinário como sujeito à vaidade e à ilusão.
5º. — Modesta em suas virtudes. — Maria possui todas em grau eminente, praticando-as com suma perfeição, embora sob uma forma simples e usual. Sua humildade vê somente a bondade de Deus, e por todos os favores recebidos, nada mais transparece que uma gratidão humilde, a gratidão do pobre, obscura e sem glória, que o mundo não percebe. "Poderá vir alguma coisa boa de Nazaré?" E ninguém presta atenção a Maria.
Eis o grande segredo da perfeição: saber encontrá-lA no que há de mais simples, saber alimentá-lA do que é mais trivial, saber conservá-la em meio do esquecimento e da indiferença. Uma virtude saliente está muito exposta, uma virtude louvada o preconizada está próxima da ruína; a flor que todos querem admirar, murcha depressa.
Afeiçoemo-nos, pois às pequeninas virtudes de Nazaré, àquelas que germinam ao pé da cruz, à sombra de Jesus e de Maria; e, assim, não se temem as tempestades que abatem os cedros nem o raio que cai no cimo das montanhas.
6º. — Modesta nos seus sacrifícios. — Maria aceita em silêncio e com suave conformidade, o exílio; não murmura; não se desvanece por ter sido chamada a fazer grandes sacrifícios, não se queixa e nem pede que lhe seja suavizado o rigor.
É modesta em face da grande mágoa de seu santo esposo; prefere suportar as suas dúvidas a revelar-lhe o grande mistério que A exaltaria aos seus olhos deixa a Deus esse cuidado, e permanece tranquila nas mãos da Providência.
Traspassada de dor, Maria acompanha seu Filho carregando a cruz, mas não atordoa Jerusalém com seus gritos e lamentos. No Calvário, se nos apresenta mergulhada num oceano de dores, tão profundo quanto seu amor; sofre em silêncio, e depois de ter dado a seu Filho um último adeus, mudo mas eloquente, se retira, mãe desolada mas cheia de resignação.
7º. — Maria é, finalmente, modesta em sua glória. — É este o mais belo triunfo da modéstia de Maria. Como Mãe de Deus, quais não eram os seus direitos a receber as homenagens do universo inteiro? Entretanto, Maria somente abraça a provação e o sacrifício; jamais se deixa ver quando o seu Filho triunfa; está, porém ao seu lado quando se apresenta uma humilhação ou uma cruz a partilhar com Ele.
Se quisermos, pois ser filhos dessa Mãe amável, devemos nos revestir de sua modéstia, tomando-a por tema habitual de nossas meditações. Maria nô-la deixa como herança; que ela seja, portanto a regra de nossas virtudes, e que a simplicidade que a faz esquecer-se de si própria para ver somente Deus, preferir o dever ao prazer, e que A impele a procurar o seu Deus e não as suas consolações, a se dedicar ao amor pelo amor, seja a nossa partilha, o fim de nossos esforços e o selo de nossa vida.
A modéstia é a virtude régia de um adorador, porque é a virtude e a libré dos servidores dos reis, e a virtude dos anjos perante a majestade divina; ela nos dá a compostura exterior na presença de Deus, nos faz tributar-Lhe a homenagem de todos os nossos sentidos e faculdades; numa palavra, é a etiqueta de seu serviço real. Sejamos, pois, no serviço de Jesus, modestos como Maria!
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Excertos do livro: Mês de Nossa Senhora do Santíssimo Sacramento extraídas dos escritos do Bem-Aventurado(*) Pedro Julião Eymard, o fundador da Congregação do Santíssimo Sacramento, 1946
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