Profissionais de saúde ouvidos pela BBC Brasil
esclarecem as indicações para cesárea e dizem como gestantes podem se
informar e se proteger.
Bebê
nascido em cesárea; a cesariana é um recurso importante para salvar
vidas, mas não deve ser feita desnecessariamente (Foto: BBC)
Cientistas de 25 países resolveram estudar o impacto da realização de
cesarianas em grávidas de gêmeos. O esforço internacional foi motivado
pelo aumento do número de cirurgias agendadas nestes casos em todo o
mundo devido à crença de que há um risco maior para a mãe e os bebês
quando o nascimento ocorre por parto normal. Só nos Estados Unidos, o
índice saltou 50% entre 1995 e 2008, para 75% dos partos de gêmeos.
O estudo analisou 2,8 mil partos ao longo de oito anos e seu resultado -
publicado no fim do ano passado - vai contra o imaginário coletivo. 'A
cesárea planejada não reduz o risco de morte em gravidez de gêmeos', diz
o obstetra Renato Sá, vice-presidente da Associação de Ginecologia e
Obstetrícia do Estado do Rio de Janeiro (Segorj), que participou da
pesquisa. 'Provou-se que era mito.'
Não se trata do único falso motivo apontado como indicação de cesárea
em consultórios Brasil afora. Obstetras ouvidos pela BBC Brasil relatam
casos em que mulheres fizeram cesáreas desnecessárias porque 'o bebê é
grande ou pequeno demais', 'a mãe tem bacia estreita' ou 'o bebê virou
de posição durante o parto'.
Uma dos mitos mais frequentes na indicação de cesariana é o bebê estar
com o cordão umbilical enrolado no pescoço. 'O cordão é como um fio de
telefone: para enforcar a criança, seria necessário muito esforço', diz
Sá. 'De qualquer forma, quando ela desce pelo canal vaginal, o cordão
vai se desenrolando.'
Na verdade, são poucas as situações que podem ser solucionadas apenas
pela cesariana, segundo os médicos consultados para esta reportagem. Uma
delas é quando a placenta se desloca e bloqueia a saída do bebê,
fenômeno conhecido como placenta prévia total. A força feita pela
criança ao tentar nascer pode causar uma hemorragia grave e o óbito da
mãe e do filho.
Outro caso é a hipertensão desenvolvida pela mulher durante gestação, a
eclampsia. 'Se a mãe é diabética grave, também é preciso fazer
cesárea', afirma Etevino Trindade, presidente da Federação Brasileira
das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo). Quando a
gestante tem um problema de coração grave, a cirurgia deve ser feita.
Ainda estão nessa categoria grávidas portadoras do vírus HIV que tenham
uma carga viral alta e imunidade baixa ou com uma lesão de herpes
genital ativa no fim da gestação (a cesárea evita o contágio do bebê) e o
descolamento prematuro da placenta, que gera risco de sangramento
excessivo.
Na maioria dos casos, a situação específica deve ser avaliada. 'Uma
cesárea também traz riscos, apesar de serem menores do que no passado',
diz o obstetra Pedro Octávio Britto Pereira, professor da Universidade
Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio). 'É preciso saber qual é a
forma de parto mais segura e optar por ela.'
Riscos
Não se pode negar que a cesariana é um recurso valioso para salvar vidas e deve ser usada num quadro crítico. Pode ser o caso, por exemplo, de quando o cordão umbilical sai antes do bebê, durante o parto, fenômeno conhecido como prolapso. Isso corta o fluxo de sangue para a criança. A situação deve ser resolvida em minutos, caso contrário o bebê morre.
No entanto, a cesárea é em geral mais arriscada e pode trazer prejuízos
para a mãe e o bebê. O estudo 'Morte materna no século 21', publicado
em 2008 no periódico American Journal of Obstetrics and Ginecology,
analisou 1,46 milhão de partos e encontrou um risco de óbito dez vezes
maior para a gestante em cesarianas. Enquanto a taxa de morte em partos
normais foi de 0,2 para 100 mil, no caso das cesáreas chegou a 2,2 por
100 mil.
Deve-se levar em conta que, em parte dessas cesáreas, a situação já era
emergencial e mais arriscada. Mas o aumento do agendamento deste tipo
de parto torna o índice preocupante. A cesárea é uma cirurgia e pode
gerar hemorragia, infecções e danos a órgãos internos da gestante, sem
que fosse necessário assumir o risco de ter estas complicações.
O maior número de cesáreas agendadas também coincide com o aumento de
bebês prematuros, já que a idade gestacional não pode ser calculada com
exatidão. Isso faz com que nascimentos ocorram muito antes do
recomendado, algo associado a problemas respiratórios no bebê.
O parto normal traz benefícios para o bebê e a mãe. Durante o parto, a
mãe produz os hormônios oxitocina, que estudos indicam ser capaz de
proteger o recém-nascido de danos no cérebro e ajudar no amadurecimento
cerebral, e prolactina, que favorece a amamentação. 'O parto normal é um
processo fisiológico normal. Não há por que transformar isso num
procedimento cirúrgico sem necessidade', afirma Sá, do Segorj.
Uma situação em que a cesárea costuma ser pré-agendada no Brasil é
quando o bebê está 'sentado' na barriga da mãe. Isso gera o risco da sua
cabeça ficar presa na pélvis da mãe. Mas a cesárea não é a única saída.
O médico pode tentar, durante a gestação, colocar manualmente o bebê de
ponta cabeça, posição mais indicada para o nascimento, por meio de uma
manobra conhecida como versão externa.
Ter feito duas cesáreas anteriormente também não é indicação absoluta
de necessidade de nova cesárea. Como o útero tem cicatrizes de operações
anteriores, elas podem se romper durante o parto normal. 'Mas a
literatura médica indica que a mulher tem o direito de tentar porque o
risco absoluto é baixo, de menos de 1%', afirma o obstetra Jorge Kuhn.
'Se os pais acharem que ainda assim é um risco alto, é melhor nem
tentar.'
Informação
Os obstetras ouvidos pela BBC Brasil são unânimes numa questão: a melhor forma da mãe tomar uma decisão é informar-se. É possível consultar os sites da Febrasgo e da Associação Médica Brasileira, órgãos que publicam diretrizes sobre partos normais e cesarianas. Os colégios de ginecologia e obstetrícia dos Estados Unidos, da Austrália, do Canadá e do Reino Unido servem de referência para profissionais de todo o mundo.
'Se a mulher não vai atrás de informação, ela dá ouvidos aos relatos de
amigas e parentes. Muitas dessas mulheres fizeram cesáreas por razões
que consideram justificáveis, mas que não são', afirma Kuhn. 'A mãe
também pensa que o médico estudou muito para se formar e que não tem
autoridade para questioná-lo. Mas é importante que ela saiba as
indicações reais e seus direitos para ser a protagonista de seu parto,
em vez de delegar isso ao obstetra.'
Caso a mulher opte pelo parto normal, é indicado que ela descreva num
documento o plano de parto, como gostaria de ser tratada antes, durante e
depois, deixando suas preferências claras para a equipe médica. São
importantes dados como quem será o acompanhante, as intervenções médicas
bem-vindas ou não e se quer dar de mamar logo depois do bebê nascer.
Assim, a mulher pode debater com o médico para que tudo fique
esclarecido. O plano de parto não tem validade legal, como um contrato,
mas aumenta as chances da mãe ter seu filho da forma como deseja. 'Não
quer dizer que isso será obedecido, mas garante um questionamento
jurídico se houver necessidade', explica a obstetriz Ana Cristina
Duarte, uma das principais vozes do movimento de humanização do parto no
país.
Se a mãe não tiver sua vontade respeitada ou sofrer algum tipo de
violência no parto, ela deve exigir uma cópia de seu prontuário no
hospital e denunciar o caso. É aconselhado escrever uma carta com os
detalhes do ocorrido. 'Envie para a ouvidoria do hospital com cópia para
a diretoria clínica, para a Secretaria Municipal de Saúde e para a
Secretaria Estadual de Saúde', diz Duarte.
A obstetriz acrescenta que, se o parto ocorreu em uma maternidade
particular, a diretoria do plano de saúde e a Agência Nacional de Saúde
Suplementar (ANS) também devem ser comunicadas. 'Se for um caso grave,
procure a ajuda de um advogado', afirma Duarte.
Fonte: Bem Estar (Globo)
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