TENDÊNCIAS/DEBATES – FOLHA DE SÃO PAULO 13/03/2011
VICENTE ANCONA LOPEZ
O Opus Dei aparecer no WikiLeaks era uma questão de tempo; em um primeiro momento, soa engraçado o poder que nos atribuem
Confesso que me divirto com os comentários que, de vez em quando, saem na imprensa sobre o Opus Dei e a sua suposta atuação política. Aparecer no WikiLeaks era uma questão de tempo...
Num primeiro momento, soa engraçado o poder que nos atribuem; depois, na autocrítica, a conclusão é séria: a nossa comunicação precisa melhorar. Não se trata de melhorar a imagem da Obra, mas, sim, de erradicar uma ideia falsa, transmitindo o que realmente somos.
As pessoas que participam das suas atividades sabem que o Opus Dei não faz política. A sua atuação tem outra dimensão: lembrar que todos, também os políticos, são chamados por Deus a serem santos; e que essa santidade pode e deve ser procurada nas atividades da vida diária, realizando-as por amor a Deus e ao próximo.
Ora, se a Obra tivesse posição política, trairia a sua finalidade, já que de alguma forma estaria privando dessa mensagem quem possuísse uma visão política diversa.
Em Roma, convivi com são Josemaria, fundador do Opus Dei, de 1969 a 1975. Nesse período, nunca o ouvi falar de política. Falava, sim, de conviver e dialogar com todos. Dizia que caridade, mais do que em dar, consiste em compreender.
São Josemaria era o oposto do que se poderia esperar de um "conservador". Estava aberto às novidades, queria aprender, inovar.
Quando passou uma temporada no Brasil, entre maio e junho de 1974, dizia que tinha aprendido muito do povo brasileiro: da nossa cordialidade, da nossa alegria, dessa convivência aberta a todos. E estava, na época, com 72 anos!
Ao mesmo tempo, foi muito incisivo ao nos dizer que aqui havia muito trabalho a fazer, que era preciso melhorar a condição de vida de muitas pessoas. Ao visitar o Centro Social Morro Velho, e também numa conversa com dom Paulo Evaristo Arns, afirmava que não seria cristão permanecer indiferente a tanta desigualdade. Sob o seu impulso nasceram muitas iniciativas sociais, no Brasil e no mundo.
São Josemaria foi pioneiro no ecumenismo, rompendo, ainda nos anos 40, resistências na Santa Sé ao solicitar que, no Opus Dei, houvesse cooperadores de todas as religiões, também ateus. Hoje, é uma realidade em todos os países nos quais a Obra trabalha: cooperadores protestantes, evangélicos, judeus, muçulmanos...
Mas e a relação do Opus Dei com o governo de Franco na Espanha? Faz anos que se esclarece esse tema, e talvez aqui tenhamos falhado ao comunicar. Em primeiro lugar, o Opus Dei não apoiou Franco. Segundo: houve muitos membros do Opus Dei que fizeram oposição a Franco; por isso, alguns tiveram que se exilar.
Por outro lado, alguns poucos membros do Opus Dei colaboraram com o governo de Franco. E por que o Opus Dei não fez nada? Simplesmente porque o Opus Dei não interfere nas atividades políticas dos seus membros, e cada um atua como lhe parece mais conveniente.
A liberdade sempre implica riscos, e o Opus Dei prefere correr esses riscos. Agora, por outro ângulo: o que pode ter a ver com Franco uma dona de casa do Cazaquistão, um estudante universitário do Congo ou um taxista mexicano que sejam do Opus Dei?
Se alguém quiser saber qual é o "projeto de poder" do Opus Dei, está convidado a conhecer as suas atividades, para que possa ouvir pessoalmente o que ali se diz. Fala-se de caridade, de excelência nas virtudes, de vida de oração, de aceitar com alegria as contrariedades, de castidade, de trabalhar com competência etc.
Não poderia ser de outra forma: essa é a mensagem da Igreja Católica, e o Opus Dei nada mais é do que uma pequena parte da igreja, que não tem um projeto de poder, e sim um projeto de serviço.
MONSENHOR VICENTE ANCONA LOPEZ, 61, é vigário regional da prelazia do Opus Dei no Brasil.
Mto bom texto. :) Ele vai no ponto.
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