Escrevi,
há alguns anos, umas palavras que, penso, sempre conservarão a sua
validade: “Grande e internacional é a mulher do 8 de março; poética e
carinhosamente ovacionada é a do segundo domingo de maio. Duro mesmo é
brilharem as duas numa só estrela, no miúdo dia a dia.” Mas estamos em
julho e tratando da questão do feminismo, assunto que é bom manter
sempre em evidência, já que é uma realidade cotidiana sobre a qual é
imprescindível refletir.
Homens ou mulheres, ao verem desfilar autodenominadas “vadias” que se
dizem contra a violência, mas são fortemente agressivas na sua
manifestação, poderão alimentar uma certa crítica: “Vejam no que deu o
tal do feminismo”. E, com isso, identificam a feminista com a vadia. Mas
imagino que muitas mulheres que hoje se desdobram para dar conta da
família e de um trabalho profissional fora do lar, ou solteiras que
estudam e trabalham, ao verem um artigo de jornal intitulado “Nós, as
vadias”, terão reagido imediatamente: “Nós, não! Vocês!”
Lutar contra a violência, principalmente quando é praticada contra os
mais fracos fisicamente, sempre terá respaldo popular. Mas o despudor
não tem esse respaldo porque expõe do ser humano apenas o seu lado de
animal fisiológico, omitindo a pessoa na sua integridade, coisa que só a
elegância pode preservar. Ser livre não é ser vadia, como afirma o
artigo citado. Ser livre é uma condição da pessoa, que traz consigo
longa lista de responsabilidades, aspirações, direitos e deveres. Há que
se discutir a questão em outro nível.
O feminismo, que iniciou o seu percurso há mais de 200 anos, buscando
que se valorizasse a maternidade, serviu de etiqueta, na década de 60,
para convencer a mulher de que dedicar-se a filhos seria abortar a sua
vida profissional. E, na esteira de uma insustentável imitação do modo
masculino de ser, promoveu que a mulher imitasse o seu suposto carrasco
nos vícios mais vulgares, principalmente em uma prática sexual sem
compromisso com a família. Mas o tempo foi passando e os pilares
ideológicos, como sempre têm os fundamentos falsos, perderam a sua
sustentação e a mulher entendeu que a maternidade pode conviver com uma
vida profissional fora do lar. Mais que isso: a reflexão sobre esse
conflito que se impôs à mulher acabou por revelar que esse é um conflito
de todos. Todos precisam do aconchego do lar – inclusive os homens! E
as mulheres solteiras ou sem filhos (que sempre serão maternais no modo
feminino de doar-se aos outros) também! Todos precisam de um tempo para
si, para o seu crescimento pessoal, que a vida profissional fora do lar
não tem o direito de usurpar.
Detesto o viés feminista que vê o homem como um inimigo da mulher.
Não deve ser assim. A mulher, para valorizar-se, não precisa – e no
fundo não quer – armar uma batalha contra o sexo oposto. Isso é
desgastante e faz o jogo do inimigo que se dedica a dividir
ideologicamente a sociedade. Homem e mulher precisam ser parceiros,
colaboradores, cada um contribuindo, com seu modo próprio de ser, na
construção de uma sociedade mais justa, menos violenta, com direitos
respeitados e sincero esforço por cumprir os deveres, como prioridade.
Verdadeiro feminismo hoje é o que busca a conciliação. Homem e mulher
precisam refletir juntos sobre como conciliar vida familiar e
profissional. Precisam, em um exercício constante de criatividade,
descobrir como articular sonhos e aspirações, muito unidos na
diversidade e sem prejuízo da própria identidade. A família humana só
tem a ganhar.
Sueli Caramello Uliano, pedagoga, é mestre em Letras pela USP e autora de Por um novo feminismo (editora Quadrante).
Fonte: Gazeta do Povo
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