Publicado originalmente na Revista Vila Nova
Normalmente o feminismo é percebido como movimento que luta por direitos iguais. Ideologicamente, entretanto, o feminismo inclui em sua definição a emancipação feminina: a busca por vivências livres de “padrões opressores”, tendo sido este o objetivo da maioria das ações feministas até então, ambiente em que estive imersa nos anos que passei como estudante em uma universidade federal.
Há algum tempo, no entanto, que nos debates envolvendo o universo feminino a ênfase tem sido na conquista do chamado “direito de escolha” da mulher, do qual sou completamente a favor, mas não com o viés emprestado pelo feminismo. Entendo que as escolhas fazem parte da liberdade inerente ao ser humano, assim como arcar com as consequências de nossos atos faz parte da responsabilidade por essas escolhas.
Chega a ser risível a irresignação de muitas ao constatar que as escolhas que fazemos trazem conseqüências que devemos assumir. A impressão que se tem é que tais movimentos feministas têm reivindicado não o direito de escolha da mulher, mas a aceitação de suas escolhas a qualquer preço, uma espécie de dever de todos – homens, mulheres, sociedade, Estado – de as acatarem e de operacionalizarem essas escolhas, o que parece tanto ilógico quanto infantil.
A dita “Marcha das Vadias”, por exemplo, reivindica – entre outros – o direito de a mulher se vestir como quiser sem que se atribua a ela o “elogioso epíteto” de vadia. Ora, creio que há consenso em torno do fato de que a mulher tem o direito à sua integridade física, esteja vestida como estiver, mas como pode um movimento pretender regular a opinião das pessoas sobre como alguém se veste?
Interessante perceber que, apesar da visibilidade de tal movimento, e apesar de as “subcelebridades” da hora exibirem, constantemente, microshorts e microssaias de fazer corar até as meninas do “bataclã”, as próprias mulheres continuam percebendo como “vadias” ou “piriguetes” - e assim rotulando – aquelas que se vestem de determinada forma e que abusam da sexualidade para obter vantagens. Ou seja, a mentalidade das mulheres de hoje é muito mais parecida com a de nossas avós do que gostariam as feministas radicais.
Será que a “emancipação feminina”, nos termos propostos pelas feministas, traz a tão sonhada liberdade de escolha? Creio que não. A mulher será tão livre quanto mais consciente for da vocação inerente ao feminino, fazendo suas escolhas sem violentar sua consciência e sem se render às pressões de grupo. Isso não é algo a ser conquistado com protestos e manifestações, mas sim com educação e formação humana, para que o conhecimento da alta dignidade do feminino promova as mudanças de mentalidade necessárias à conquista da liberdade tão desejada.
Fazendo um histórico, observamos que as mulheres de ontem contavam com uma rede de solidariedade feminina à sua volta (mães, sogras, irmãs, amigas, vizinhas), com quem aprendiam e partilhavam as vivências próprias desse universo.
No mundo pós-moderno, com a atual configuração familiar e social, uma mulher que se vê grávida, por exemplo, não tem mais esta rede de apoio, acabando por depender quase que exclusivamente dos profissionais de saúde e de manuais famosos (como o do Dr. Rinaldo de Lamare) para sanar suas dúvidas, sendo a consulta ao médico, muitas das vezes, insuficiente para acalmar as inquietações da gestante e da nova mãe, o que gera muita ansiedade e angústia.
Essa demanda fez surgir um sem-número de fóruns de apoio e partilha – presenciais e virtuais – ligados à gestação, parto, amamentação e à chamada maternagem, termo emprestado da psicanálise[1], mas que neste novo contexto se refere aos cuidados com os bebês em tenra idade. Nestes espaços, com base em obras sobre o tema, são eleitos valores como o parto normal humanizado, a amamentação exclusiva até os seis meses, a “cama compartilhada”, a alimentação natural e orgânica, entre outras coisas, muitas das quais evidentemente positivas.
Contudo, na maioria de tais grupos, há “mães-alfa” que, citando obras de pediatras ou terapeutas como argumento de autoridade, ditam como deve ser a “boa maternagem”. As mães abordam o cuidado com os filhos de forma que pode ser comparada a uma tarefa profissional ou acadêmica, que, para ser cumprida de maneira minimamente satisfatória, exige a leitura da bibliografia adequada e a adoção de uma rígida disciplina do qual não se tolera o mínimo desvio, sob pena de não ser reconhecida como “boa mãe”.
Qualquer manifestação contra os valores eleitos pelo grupo provoca fortes e até agressivas reações, explorando o desejo que tem toda mãe de fazer o melhor para o seu filho, o medo de errar e a culpa associada ao possível erro. A adoção de práticas contrárias às recomendadas não raro vêm acompanhadas de culpa, não sendo infrequentes relatos de mulheres se justificando perante as demais por terem feito uma cesariana, ou por preferirem que o bebê durma em seu próprio quarto.
Creio que a leitora poderá se identificar: uma mulher será sempre criticada pelas outras, seja porque ficou “encalhada”, por ser vaidosa demais, ou de menos, porque teve os filhos através de parto cesariano, ou porque decidiu continuar um relacionamento que as outras desaprovam e, em especial, pela maneira que escolheu criar os seus filhos.
A este ponto da reflexão é fácil concluir que os “padrões opressores”, se existirem, nesta pós-modernidade, são as idealizações das próprias mulheres impostas às outras: são estes os verdadeiros entraves ao “direito de escolha”.
Paralelamente a este fenômeno, porém, de modo surpreendente, uma nova geração de mulheres contesta com suas atitudes os dogmas feministas, a idéia de emancipação feminina.
Mulheres que fazem do seu objetivo “fisgar” um atleta, um artista, um empresário, enfim, um “bom partido”, sempre existiram. O mais interessante é constatar um número cada vez maior de jovens e adolescentes que engravidam e que fazem questão de alardear, com orgulho, que querem mais é serem “bancadas”, para grande desgosto das feministas ideológicas.
Também as celebridades vêm “glamourizando” a gravidez e a maternidade, partilhando suas vivências, rotinas e opções quanto à gestação, ao parto e à amamentação pelas redes sociais, através de relatos e mesmo de fotos, orgulhando-se de “dar um tempo” ou mesmo abandonar uma carreira para dedicar-se ao cuidado dos filhos, no que são seguidas de perto por muitas outras mulheres.
Ao final isso só prova que a maternidade é uma opção natural para as mulheres, aquela escolha que, apesar de toda a doação que implica, traz mais realização e – por que não dizer? – felicidade.
A mulher é, por vocação, cuidadora, maternal. Se não tem filhos, irá canalizar e concretizar essa vocação de outra forma: cuidando dos irmãos, dos doentes, dos amigos, do marido, dos funcionários, dos animais de estimação, de um trabalho social, de uma causa. Ela se importa, ela se doa, ela sai de si mesma.
Essa escolha é tão natural que as feministas mais raivosas não percebem que, inconscientemente, também a fizeram: maternam a causa, são tão ferozes na luta pelo feminismo quanto as leoas são por seus filhotes. Como boas “mães corujas”, não conseguem enxergar defeitos em suas ideologias-crias.
Apesar de toda a doutrinação ideológica que o movimento feminista vem perpetrando por anos e anos, as mulheres sempre darão um jeito de fazer valer as suas escolhas, aquelas que brotam de sua dignidade e essência femininas.
Quando pude entender minha real vocação e me libertar dos grilhões daqueles anos de imersão ideológica, pude enfim perceber que, de todas as minhas conquistas e vitórias, sem dúvida, o que me dá mais alegria é poder dizer: sou mãe do Matheus, da Maria Esther e da Maria Isabel, por livre e feliz escolha.
Texto de Maria Thereza Tosta Camillo, servidora pública federal da Justiça Federal do Rio de Janeiro, Bacharel em Letras – Português/Inglês pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Bacharel em Direito e Especialista em Direito Constitucional pela Universidade Estácio de Sá (RJ), casada e mãe de três filhos.
[1] Maternagem, s.f. psicanálise. técnica empregada na psicoterapia, esp. das psicoses, que busca estabelecer entre terapeuta e paciente, no simbólico e no real, uma relação semelhante à que existiria entre uma “mãe boa” e seu filho. (Dicionário Houaiss).
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