segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Na rede particular do Rio, 93% dos partos são cesarianas

Recomendação da Organização Mundial de Saúde é de até 15% 

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Na última hora. Ana Karina com a filha Luísa: prestes a dar à luz, ela abandonou a médica que recomendara cesariana e teve a menina de parto normal em hospital público Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo
Na última hora. Ana Karina com a filha Luísa: prestes a dar à luz, ela abandonou a médica que recomendara cesariana e teve a menina de parto normal em hospital público Márcia Foletto / Agência O Globo

RIO - Nas maternidades particulares da cidade do Rio, praticamente não nascem mais crianças de parto normal. Segundo a Secretaria municipal de Saúde, 93% dos partos realizados nos hospitais privados são cesarianas, quando a Organização Mundial de Saúde recomenda que esse percentual não ultrapasse os 15%. Já nas unidades públicas do município, o índice é de 36%. Com isso, a capital tem, juntando maternidades particulares e públicas, 57% de cesarianas, contra 52% em todo o Brasil.
Entre os hospitais públicos do município, a Maternidade Maria Amélia Buarque de Hollanda, no Centro, é a que tem a menor taxa de cesarianas da cidade: 18%. Inaugurada em maio de 2012, a unidade já é referência e tem atraído até grávidas com planos de saúde. Após uma experiência traumática no nascimento do primeiro filho, hoje com 5 anos, a arquiteta Ana Karina Costa Amaral, de 36 anos, abandonou a médica do plano de saúde, já na 41ª semana de gestação, para ter a pequena Luiza na nova maternidade.

— A médica pediu dinheiro por fora para acompanhar o meu trabalho de parto. Chegamos a aceitar, mas no final da gestação ela disse que a criança estava muito alta e que a cesariana seria necessária. Nunca mais voltei ao consultório dela, e minha filha nasceu de parto normal, no hospital público, com 42 semanas de gestação, sem qualquer problema — contou.

O tema preocupa especialistas e ganhou as telas de cinema. Em cartaz desde agosto, o filme “O renascimento do parto”, de Érica de Paula e Eduardo Chauvet, retrata o número alarmante de cesarianas no Brasil e mostra as consequências clínicas e psicológicas para os bebês, que cada vez mais nascem prematuros. Através de relatos de especialistas na área, o longa promove uma reflexão sobre o futuro de uma civilização nascida sem os chamados “hormônios do amor”, liberados, segundo médicos, apenas em condições específicas do trabalho de parto.

Médico alerta para perigos da prematuridade

Especializado em neonatologia, o pediatra José Vicente de Vasconcelos, da Maternidade Leila Diniz, na Barra da Tijuca, alerta que a prematuridade provocada pela cesariana pode causar problemas respiratórios no bebê. A OMS considera prematuras crianças que nascem antes de 37 semanas completas — e é comum o agendamento de cesarianas já a partir da 37ª semana.

— A prematuridade leva a muitos riscos, como o de doenças respiratórias, que podem exigir internação e afastar a mãe do bebê. Ele demora mais para começar a se alimentar. Além disso, há o perigo de infecção hospitalar. O trabalho de parto é importante porque o bebê, quando passa pelo canal de parto, elimina o excesso de líquido dos pulmões. Na cesariana, isso não acontece. O bebê nasce cheio de líquido nos pulmões e, muitas vezes, tem dificuldade para respirar. São muitos os riscos, mas infelizmente temos uma epidemia de cesarianas, que só deveriam ser adotadas quando há perigo para a mãe e a criança alerta.

Aline Sudo, consultora de amamentação, conta que bebês que nascem de cesariana apresentam mais dificuldades para mamar no peito:

— No parto normal, o bebê já está pronto para começar a mamar na hora em que nasce. Na cesariana, como é marcada, muitas vezes o bebê ainda não está pronto e pode ter algum transtorno na hora de fazer contato com a mãe.

O índice de cesarianas em todo o estado chegou a 62% em 2012. Subsecretária de Atenção à Saúde da Secretaria estadual de Saúde, a médica sanitarista Mônica Almeida disse que o problema muitas vezes é provocado pela falta de leitos de maternidade, principalmente na Baixada Fluminense.

— O médico, então, é obrigado a marcar dia e hora, para não correr o risco de, na hora do parto, não haver vaga para a paciente — contou.

Após uma experiência traumática em duas cesarianas, Júlia Araújo dos Santos, de 23 anos, moradora de Duque de Caxias, decidiu buscar atendimento na maternidade carioca Maria Amélia Buarque de Hollanda.

— Uma amiga indicou esta maternidade e disse que o atendimento é igual ao de hospital particular. É o meu primeiro dia aqui, mas já percebi que é muito melhor do que lá perto de casa — comentou Júlia, que está com 39 semanas de gravidez.

O secretário municipal de Saúde, Hans Dohmann, reconhece que ainda há casos de grávidas que peregrinam em busca de atendimento, mas afirma que são pacientes de outros municípios. Segundo ele, o projeto Cegonha Carioca tem conseguido assegurar o atendimento às gestantes da capital. Sobre os altos índices de cesariana, o secretário destacou que a decisão “soberana e legítima é sempre do médico”.

— Ainda temos um espaço para caminhar até alcançar as recomendações da Organização Mundial de Saúde, mas já estamos próximos. Um trabalho de educação dos profissionais de saúde e das gestantes, que muitas vezes preferem a cesariana, é que vai nos aproximar das recomendações — acredita.

De acordo com a vice-presidente do Cremerj, a obstetra Vera Ferreira, o médico marca a data para garantir a internação, inclusive porque há falta de leitos também na rede privada:

— Nos municípios menores, o problema é a fala de profissionais, e os médicos acabam marcado cesariana nos dias em que têm certeza de que a equipe estará completa. Outra questão é a baixa remuneração. Um parto normal demora em média 12 horas, e o profissional recebe cerca de R$ 300 para acompanhar todo esse tempo e os dias seguintes. Fora isso, tem o próprio desejo da mulher de fazer cesariana. O Cremerj não defende isso e tem a preocupação de sempre informar que o parto normal é a primeira via.

Fonte: O Globo

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